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07/12/2021
Embrapa Amazônia Ocidental (AM) selecionou 52 espécies de plantas indicadas para compor o pasto meliponícola, ou seja, o alimento para criação de abelhas nativas da Amazônia. As espécies vegetais são apresentadas no Guia Ilustrado de Plantas para Meliponicultura na Amazônia. Essas informações ajudarão criadores de abelhas da região amazônica a planejar o plantio de espécies que ofereçam recursos florais que as abelhas sem ferrão necessitam para produzir mel, propólis e outros produtos.
A meliponicultura é a criação de abelhas sociais da tribo Meliponini, conhecidas como abelhas sem ferrão, abelhas nativas ou abelhas indígenas. A atividade, além de gerar renda para os meliponicultores por meio da comercialização dos diversos produtos das abelhas, também contribui para a conservação ambiental e incremento da produtividade agrícola com a otimização da polinização.
Para listar as espécies vegetais mais utilizadas pelas abelhas nativas na Amazônia que são apresentadas no Guia Ilustrado, a pesquisa envolveu atividades de campo e a revisão de trabalhos científicos. A entomologista Cristiane Krug, pesquisadora da Embrapa que coordenou o trabalho, informa que as espécies botânicas foram selecionadas em trabalhos científicos prévios de diversos autores da Amazônia e por meio de pesquisa aplicada que envolveu coletas ativas, observação de visitação e análises de pólen coletado pelas abelhas.
Ao indicar plantas que oferecem maior disponibilidade em recursos florais que servem de alimento para as abelhas melíponas, a pesquisa oferece informações importantes para aos criadores e aos que pretendem ingressar na atividade, seja para fins de conservação ou comerciais. Em ambos os casos, é necessário oferecer alimento adequado aos insetos, uma vez que a quantidade de abelhas colocadas em área restrita será maior do que a sua ocorrência natural.
Com as informações do Guia Ilustrado, os criadores poderão planejar quais plantas podem incluir na preparação do pasto meliponícola, também chamado de jardim de mel, e que consiste no conjunto de plantas que oferecerão os recursos florais (pólen, néctar, óleo e resinas) que as abelhas necessitam para se desenvolver, manter sua colônia e produzir mel e seus subprodutos.
O Guia apresenta plantas herbáceas, arbustivas, arbóreas e trepadeiras. Para cada planta são apresentadas também informações sobre os recursos que oferecem para as abelhas, a distribuição geográfica, período de floração, fotos e outros dados de identificação.
As plantas selecionadas têm em comum o florescimento em abundância. Além das ornamentais, como o amor-agarradinho (Antigonon leptopus), outras são de uso múltiplo e conhecidas entre frutíferas da Amazônia, como o tucumã (Astrocaryum aculeatum), a pupunha (Bactris gasipaes), araçá-boi (Eugenia stipitata), açaí-do-pará (Euterpe oleraceae), açaí-do-amazonas (Euterpe precatoria), jenipapo (Genipa spruceana), ingá (Inga edulis), entre outras.
A pesquisadora destaca que o pasto meliponícola é um dos três pilares essenciais para o sucesso da meliponicultura. Os outros dois envolvem a escolha da espécie de abelha que será criada considerando suas características genéticas e ocorrência natural no local, e ainda o manejo adequado das colônias. “Cultivar plantas para fornecer alimento natural para as abelhas sem ferrão é determinante para uma boa produção de mel e para que as colônias permaneçam fortes e sadias”, destaca a pesquisadora. Além disso, ela acrescenta que proporcionar o pasto meliponícola também contribui na manutenção do serviço ambiental da polinização, favorecendo todos os insetos e demais animais que dependem de flores e frutos para sua alimentação e sobrevivência.
Plantio para as abelhas traz retorno ao agricultor
A experiência de cultivar espécies que favorecem as abelhas melíponas mostra que o benefício retorna para o agricultor e para o meio ambiente. Foi assim para o empreendedor Joaquim Alberto da Silva, que em 2015 iniciou um sítio baseado nos princípios da permacultura e, um ano depois, descobriu as abelhas nativas e buscou aprender sobre elas e fazer a criação. A partir de 2019, em parceria com o projeto Agrobio e com a orientação de Krug, passou a implantar canteiros para formar o jardim de mel em seu sítio localizado no município de Iranduba, a aproximadamente 20 km da capital, Manaus. Dois anos depois de implantar o jardim, ele observa seu pomar com mais frutos e maior produção de mel nas colônias de abelhas.
A proposta desse jardim de mel é formar uma unidade demonstrativa com espécies comuns na região amazônica para apresentação em visitas e cursos. “Primeiro, é para mostrar que para criar abelha precisa ter pasto e, segundo, desmistificar a ideia de que são espécies difíceis de cultivar”, informa Silva, acrescentando que muitas mudas para formar o canteiro foram retiradas dentro da propriedade mesmo ou na estrada próxima e nos arredores da comunidade. “As espécies sem ferrão da Amazônia visitam muitas plantas rasteiras”, acrescenta. Mas também visitam arbustos e arbóreas, portanto há várias opções para compor o plantio. No sítio, além dos 17 canteiros foram plantadas espécies frutíferas como açaizeiro, laranjeira, camu-camu, araça-boi, guaraná e outras. Com o tempo, Silva conta que tem observado a produção de mel aumentar em 25% a 30% e a produção das frutíferas crescer significativamente. Segundo o meliponicultor, com a presença das abelhas nativas, as frutíferas do sítio passaram a produzir em maior quantidade e frutos maiores, mais precoces e mais doces comparados a outras frutíferas que não são polinizadas por abelhas.
Produzindo mel e conhecimento
A meliponicultura permite diversos modelos de empreendimentos. No sítio de Silva, a escolha foi trabalhar com produção de mel, comercialização de colônias e atividades educativas com meliponários das espécies de abelhas uruçu boca-de-renda (Melipona seminigra), jupará (Melipona interrupta), moça-branca (Frieseomelitta sp.) e uruçu boca-de-ralo (Melipona rufiventris). Criou o Doce Refúgio Amazônico Meliponário Escola (Dramel) e, em parceria com outras instituições, passou a oferecer cursos para interessados em criar abelhas sem ferrão.
Silva conta que conseguiu fazer acordos com os vizinhos do Dramel, para não mais utilizarem defensivos agrícolas, em troca dos benefícios das abelhas nativas. Conta que argumentou a um vizinho, com pomar de 600 laranjeiras a menos de 500 metros, que a produção de frutos aumentaria com a polinização e de fato aconteceu, com mais a redução de custos para o vizinho ao deixar de utilizar agrotóxicos. Para o outro vizinho a adesão resultou em interesse em também aprender a criar as abelhas nativas, ampliando os benefícios ao ambiente. "Nós procuramos disseminar a ideia entre os alunos de que todo criador de abelhas é um ecologista por excelência, mesmo que não seja por formação, ele é por conscientização”, afirma destacando que a atividade requer práticas como combater o uso indiscriminado de agrotóxicos, evitar queimadas e cuidar da preservação de fontes hídricas. “Para criar abelha é fundamental que o seu vizinho também adote a ideia pois, se ele não usar agrotóxico, as abelhas vão levar benefícios também para a produção dele”, comenta. Para o meliponicultor, entre os diversos ganhos proporcionados pelas abelhas, o mais importante do ponto de vista social e da preservação é a polinização agrícola e a polinização da floresta como um todo, e “a ideia de saber que as pessoas que criam abelhas nativas estão contribuindo com o bioma amazônico”, afirma.
Meliponicultura alia geração de renda e preservação da floresta
A Amazônia Legal possui o maior potencial para a meliponicultura no planeta pois reúne aproximadamente 51% de toda biodiversidade de abelhas nativas sem ferrão já descritas pela ciência em todo mundo. Além de mel, as abelhas sociais sem ferrão, presentes em grande parte das regiões de clima tropical do planeta, são responsáveis pela polinização e sobrevivência das espécies vegetais, conforme explicou o pesquisador Daniel Santiago, líder do projeto Agrobio, financiado pelo Fundo Amazônia, e que prevê o resgate e a valoração de produtos e bioativos da flora e das abelhas sociais na região amazônica.
Ele considera o guia ilustrado como mais um instrumento para a profissionalização e fortalecimento da atividade de cultivo de abelhas nativas, além de uma importante entrega do projeto, e analisa que embora exista um enorme potencial, o caminho para colocar o mel das melíponas no patamar de profissionalização das abelhas africanizadas ainda é longo. “Urge a necessidade de uma legislação que regulamente os produtos para garantir o acesso ao mercado de maneira formal e incluir os meliponicultores que atuam à margem das normativas existentes, e também influenciar outros criadores para ingressar na meliponicultura”, enfatiza.
Falta legislação e por isso também, dados formais sobre a atividade em todo País. O mel da abelha sem ferrão tem caraterísticas únicas em sabor e textura. Por conter mais umidade que os méis de Apis, precisa ser desumidificado, perder água, para se enquadrar à legislação vigente e por isso, aumenta a dificuldade de acesso a selos de inspeção que permita sua comercialização formal.
Parceria público-privada impulsiona o setor
Em 2019, uma parceria entre a Embrapa, o Instituto Peabiru e a agroindústria Fitobel, no Pará, estabeleceu um protocolo, com processo de desumidificação do mel, que concedeu ao estado o primeiro selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF) e com isso, a inserção no mercado formal e possibilidade de comercialização nacional e até exportação do mel das abelhas nativas.
Por meio da parceria, o mel é coletado com cerca de cem agricultores familiares atendidos pelo Peabiru, desumidificado e depois envasado pela Fitobel, uma agroindústria e entreposto de mel e cera, sediada em Belém (PA). O agroindustrial Raimundo Océlio Reis Vogado, sócio da Fitobel, chama o produto das abelhas nativas de “caviar do mel” e garante que há mercado dentro e fora do Brasil para o produto.
Com a chegada da pandemia, os planos da empresa de lançamento nacional da linha de mel de abelha sem ferrão teve que ser adiado, mas ele espera ainda esse ano, retornar com a produção para levar esse produto amazônico a outros mercados. “O produto tem excelente qualidade e aceitação e temos certeza de que, com o reaquecimento da economia, conseguiremos levar mais esse doce sabor da Amazônia para múltiplos mercados”, acredita o empresário.
Se a pandemia atrasou os planos da agroindústria, por outro lado, abriu novas possibilidades à comercialização do produto pelo Instituto Peabiru. Pelo acordo, parte da produção envasada pela agroindústria fica com a instituição e passa a integrar o portfólio da loja Peabiru Produtos da Floresta.
Aumento de vendas on-line
Em 2020, a loja teve de se reinventar e viu nas plataformas de e-commerce uma grande oportunidade. De acordo com a coordenação do Peabiru a renda com as vendas do mel de abelha sem ferrão duplicou em 2020 e a expectativa é fechar 2021 em ascensão. “O produto agrega Amazônia e sustentabilidade e tem conquistado mercado por meio da venda online e agora integra também uma parceria que traz para o marketplace uma seleção de produtos amazônicos que contribuem diretamente para a conservação da floresta e qualidade de vida de seus povos”, garantem os coordenadores.
Vale destacar também uma iniciativa de sucesso no estado do Amazonas com a Cooperativa dos Criadores de Abelhas Indígenas da Amazônia (Coopmel), localizada no município de Boa Vista do Ramos (AM). A Coopmel conta com uma agroindústria de beneficiamento do mel, e já conquistou o Selo do Serviço de Inspeção Estadual (SIE) e está em busca do Selo de Inspeção Federal (SIF) para vender o mel da Amazônia em outros estados do Brasil e em outros países.
Projeto de pesquisa
O Guia Ilustrado de Plantas para Meliponicultura na Amazônia é um dos resultados do projeto Agrobio - “Abelhas, variedades crioulas e bioativos agroecológicos: conservação e prospecção da biodiversidade para gerar renda aos agricultores familiares na Amazônia Legal”, que desenvolve atividades de transferência de tecnologias no manejo de abelhas nativas, com atuação nos estados do Acre, Amazonas, Roraima e Pará. O Agrobio faz parte do Projeto Integrado para a Produção e Manejo Sustentável do Bioma Amazônia, coordenado pela Embrapa, financiado com recursos do Fundo Amazônia e operacionalizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Fonte: Embrapa Amazônia Ocidental / Embrapa Amazônia Oriental