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06/07/2021
Um consórcio internacional formado pelo Brasil, China, Estados Unidos e Reino Unido está avaliando cenários para a produção agrícola baseando-se no conceito de teleacoplamento, ou telecoupling. O método permite a observação de impactos econômicos, sociais e ambientais de atores situados a longas distâncias entre si (tele), mas que estão de alguma forma conectados (acoplados). São exemplos: como o mercado internacional de commodities pode afetar a produção brasileira de soja e milho, ou como as mudanças globais podem impactar a produção agrícola brasileira?
O consórcio internacional Telecoupling possui foco em segurança alimentar e uso da terra em longas distâncias e, no caso da participação brasileira, busca entender como ações locais e globais afetam a tomada de decisão de produtores de soja e milho em dez estados do centro-sul brasileiro, abrangendo uma área de quase 4 milhões de quilômetros quadrados, responsável por 80% da produção nacional desses grãos.
O intuito foi construir um arcabouço metodológico para prever, em escala local e regional, os potenciais efeitos nas mudanças de uso da terra no Brasil provocados, por exemplo, pelo fluxo de commodities agrícolas entre o País e a China.
Um dos maiores resultados do trabalho foi a criação do Crafty Brasil, modelo que analisa alguns cenários e suas consequências na mudança de uso da terra até 2030. Com isso, é possível contribuir para a avaliação de riscos. O modelo é baseado em agentes e envolveu o diálogo com os principais atores relacionados ao tema (stakeholders).
Entre os cenários observados, considerando comércio internacional, produtividade, demanda, entre outros fatores, os que têm maior probabilidade de afetar o uso da terra nos estados que integram o estudo são aqueles relacionados às mudanças climáticas. A base inclui os dados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e muitos outros, como custo de transporte e capital natural, para simular respostas na produção de grãos na região centro-sul.
O diferencial no uso da abordagem do teleacoplamento é que o foco das análises reside na cadeia produtiva e não apenas nas decisões dos agentes individuais, como produtores agrícolas, já que esses grupos agem e reagem ao mercado e à legislação ambiental, por exemplo. “Em geral, os modelos baseados em agentes são mais restritivos, pois levam em conta apenas as tomadas de decisão dos indivíduos, como a disposição de um produtor de Mato Grosso em aumentar a área plantada”, explica o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária Mateus Batistella.
A consolidação do estudo resultou em abordagens inovadoras, baseadas nas interações socioeconômicas e ambientais entre sistemas humanos e naturais acoplados. Os resultados foram divulgados em uma série de publicações internacionais e no site do projeto, contribuindo para outras investigações interdisciplinares e multiescalares, além de apontar caminhos para a pesquisa agropecuária, como a busca por espécies vegetais mais resistentes à seca, por exemplo.
Com o aumento das interações e da complexidade das relações em todo o planeta, os pesquisadores afirmam ser essencial uma abordagem de integração de sistemas para melhor compreender os processos de um mundo ‘teleacoplado’ e assim apoiar políticas eficazes e avanços científicos.
Dessa forma, o estudo se pautou por uma análise mais abrangente dos processos, considerando não apenas a classificação dos produtores e suas decisões, mas os tipos de processos produtivos empregados (a produção de uma ou duas safras, por exemplo) e sua conexão com as dinâmicas dos sistemas produtores e importadores. “Essa visão mais abrangente pode contribuir para apoiar políticas mais assertivas de desenvolvimento sustentável”, aponta Batistella.
Alguns resultadosA abordagem metodológica do telecoplamento integra dados socioeconômicos e ambientais em distintas escalas espaciais e temporais, níveis organizacionais, teorias e métodos das ciências sociais e naturais, técnicas avançadas como modelagem e simulação, visualização baseada na web, sensoriamento remoto e sistemas de informação geográfica. Na prática, podem ser gerados cenários a partir de questões específicas; por exemplo, mostrar como a produção de soja vai reagir se uma determinada condição se apresentar. Para operacionalizar um projeto dessa complexidade, houve uma longa fase de coleta e mineração de dados, em todas as escalas – global, nacional, regional e local – sobre agricultura, produção, logística, meio físico, demanda por alimento, entre outros, constituindo-se assim as bases de dados para análise. O artigo Modelling drivers of Brazilian agricultural change in a telecoupled world apresenta o modelo de simulação desenvolvido e alguns cenários. A autoria é de James D. A. Millington e Valeri Katerinchuk, do King's College de Londres; Ramon Felipe Bicudo da Silva, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Estadual de Michigan (MSU), nos Estados Unidos; Daniel de Castro Victoria, da Embrapa; e Mateus Batistella, da Embrapa e da Unicamp. Segundo o artigo, o aumento da demanda global por commodities agrícolas tem afetado o uso e a cobertura da terra local (LUCC, na sigla em inglês) e a produção agrícola em todo o Brasil durante o século 21. Para simular as mudanças, o modelo Crafty-Brasil permitiu a criação de distintos cenários, com base em dados de séries temporais referentes ao período de 2001 até 2018. Eles incluíram a demanda por commodities, rendimentos agrícolas, mudanças climáticas e decisões políticas para 2019 a 2035. Outro artigo, Transport cost to port though Brazilian federal roads network: Dataset for years 2000, 2005, 2010 and 2017, analisa o custo de transporte para portos por meio das redes rodoviárias federais brasileiras e apresenta um conjunto de dados validados para os anos 2000, 2005, 2010 e 2017, disponível em formato aberto (open source) para uso e consulta pública. Os autores Victoria, Silva, Millington, Katerinchuk e Batistella lembram que os custos de transporte podem desempenhar um papel significativo nas exportações agrícolas e na lucratividade das empresas. Também pode influenciar as decisões dos agricultores em relação à expansão, intensificação ou abandono de terras agrícolas. Assim, é importante levar em consideração o transporte ao modelar e avaliar o uso da terra e as mudanças na cobertura relacionados à produção agrícola. |
Para o chefe de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Embrapa Informática Agropecuária, Stanley Oliveira, o estudo apresentado é de grande importância para a Embrapa, pois conecta a Empresa com parceiros nacionais e internacionais, aumentando não só a presença internacional, mas também fortalecendo as relações com instituições renomadas.
“Do ponto de vista científico, é importante a contribuição do arcabouço metodológico, com a inserção de abordagens inovadoras que agregam a força de técnicas avançadas como modelagem e simulação, visualização de dados, sensoriamento remoto, entre outras. Outro aspecto positivo é a abordagem de demanda por commodities produzidas pelo Brasil, como o milho e a soja, com um olhar integrado nas cadeias produtivas e não apenas nas decisões dos agentes individuais”, avalia Oliveira.
O Telecoupling é um consórcio internacional envolvendo Brasil, Estados Unidos, China e Reino Unido, com apoio do Belmont Forum, órgão de fomento do Future Earth. Realizado por meio de colaborações entre pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento científico e tecnológico, é financiado no Brasil pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
A parceria brasileira é formada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp, Embrapa Informática Agropecuária e Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP). São parceiros internacionais a Universidade Estadual de Michigan (MSU), nos Estados Unidos; a Universidade de Oxford, o King's College e o Imperial College, de Londres; a Universidade de Edimburgo, no Reino Unido; além da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas (CAAS), Academia Chinesa de Ciências (CAS) e Universidade Agrícola da China (CAU).
Fonte: Embrapa Informática Agropecuária
Fonte: Embrapa Informática Agropecuária