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15/07/2022
A partir de uma técnica utilizada em exames laboratoriais de seres humanos, um grupo de pesquisadores da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) pretende melhorar o processo de fermentação da biomassa da cana-de-açúcar que gera o etanol. “Bactérias e outros microrganismos costumam interromper o processo de fermentação. Isso implica em perdas enormes de etanol, o que pode chegar a cinco por cento dos cerca de 30 bilhões de litros produzidos por ano no Brasil”, diz o engenheiro agrônomo Carlos Alberto Labate, professor da Esalq-USP e coordenador do projeto Improving Ethanol Fermentation (ou, em livre tradução, Melhorando a Fermentação do Etanol).
O projeto, que acaba de ser lançado, será desenvolvido ao longo de três anos no âmbito do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI, na sigla em inglês), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Shell. No estudo os pesquisadores irão utilizar o Maldi-TOF MS (sigla em inglês para Matrix-assisted laser desorption ionization Time-of-Light Mass Spectrometry), aparelho que avalia as estruturas de proteínas encontradas em membranas de células. “É uma tecnologia descoberta na década de 1990, mas há cerca de 15 anos passou a ser utilizada em exames laboratoriais de pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) com infecções graves e risco de vida. São pessoas que não podem esperar pelo resultado do exame comum de cultura de bactérias, que são demorados”, conta Labate. “Com o Maldi-TOF MS o resultado da análise de uma pequena amostra de sangue do paciente sai em cerca de 15 minutos”.
Segundo o especialista, a técnica consiste no uso de um feixe de laser com potência para fragmentar em pedaços menores (ou peptídeos) as proteínas presentes nas membranas de bactérias e fungos e assim rastrear seus aminoácidos. “Na área médica os espectros de massas dos peptídeos são imediatamente comparados a mais de 8 mil tipos de espécies de bactérias reunidas em um banco de dados criado pelo fabricante do aparelho”, explica Labate.
Há cerca de cinco anos, o pesquisador começou a utilizar esse equipamento no Laboratório de Genética de Plantas, que chefia na Esalq-USP, com o objetivo de analisar a fermentação industrial de cana-de-açúcar. Desde então, a equipe do laboratório vem desenvolvendo um banco de dados a partir de amostras coletadas em usinas da Raízen -- empresa situada no interior de São Paulo, controlada pela Cosan e pela Shell, que é líder nacional na fabricação de açúcar, etanol e bioenergia. “A ideia é identificar os microrganismos que estão nas dornas de fermentação e fazer um raio-X daquele conteúdo”, diz Labate.
Ao longo do projeto, os pesquisadores pretendem ampliar esse banco de dados (no caso, as coletas serão realizadas em duas usinas da Raízen, localizadas em Piracicaba e Rafard, ambas no interior paulista). “A partir dos dados coletados em campo vamos treinar um programa de inteligência artificial para que possa identificar quais são os melhores marcadores metabólicos para a fermentação. Essas informações vão formar o repertório da máquina”, diz Labate para completar: “No decorrer do projeto vamos acompanhar três safras de cana-de-açúcar. E isso é ótimo, pois quanto mais informação obtivermos, melhor será para o sistema computacional”.
Com essas informações em mãos, os pesquisadores irão avançar para outra etapa do projeto: desenvolver sensores, por meio de parceria com a iniciativa privada, que serão instalados em dornas de fermentação. “Esses sensores vão trabalhar on-line, de forma autônoma, enviando dados em tempo real para o software aprimorado por nossa equipe. Essa inteligência artificial vai então registrar todas as informações, como, por exemplo, um aumento anormal da quantidade de bactérias na fermentação, e assim gerar uma tomada de decisão para auxiliar os técnicos da usina”, explica Labate.
Na opinião do especialista, a pesquisa poderá trazer maior segurança ao processo de fermentação do etanol no país. “No Brasil, as usinas de cana-de-açúcar começaram a produzir etanol no início do século XX, no período entre guerras, para aproveitar o excesso de sacarose. Esse etanol, em geral, era vendido para uso geral na indústria e nas residências. Com a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), em 1975, o etanol se converteu em combustível e as usinas voltaram seu interesse para essa finalidade, que é bem mais lucrativa. Porém, até hoje a fermentação do etanol é feita de maneira empírica, como no início do século XX, e as dornas estão sujeitas a contaminação de bactérias e outros microrganismos”, conta Labate.
Os invasores surgem de várias formas, como é o caso das leveduras selvagens. “O processo de produção do etanol no Brasil utiliza leveduras comerciais. Entretanto, é comum leveduras selvagens, presentes na biomassa, entrarem no sistema e dominá-lo, minando a eficiência da levedura comercial que está na dorna e atrapalhando a fermentação”, conta o especialista. Quando problemas do gênero ocorrem, as usinas costumam aplicar antibióticos ao líquido que está sendo fermentado. “Às vezes, essa medida funciona, mas, em grande parte, ela não dá certo, o que inviabiliza a produção do etanol naquela dorna. Nesse caso, o líquido é descartado ou então é aproveitado no ciclo da vinhaça para servir de fertilizante”, relata Labate.
O processo para identificação de problemas que acometem o processo de fermentação costuma ser moroso, alerta o especialista. “As usinas costumam utilizar o processo da cariotipagem para identificar, por exemplo, que tipo de levedura alterou o equilíbrio do microbiota [conjunto de bactérias, vírus, fungos e outros microrganismos] da fermentação. O teste leva cerca de 15 dias para ficar pronto”, diz. “Com a tecnologia que estamos desenvolvendo, as usinas poderão ter acesso a um sistema de controle bem mais eficiente e rápido para que possam controlar melhor o processo de fermentação e assim evitar perdas de etanol”, conclui.
Fonte: Assessoria de Imprensa RCGI - Acadêmica Agência de Comunicação