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03/08/2021
Tese de doutorado da aluna Jéssica de Cássia Tomasi, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), sob orientação de Cícero Deschamps e de pesquisadores da Embrapa Florestas (PR), investigou o efeito de diferentes processos de secagem na composição química, nutricional e características de cor das folhas de erva-mate (Ilex paraguariensis). Entre os resultados, o uso de micro-ondas, método ainda não utilizado pelo setor, se destacou ao manter elevado o teor de compostos benéficos à saúde. O processo também resultou em uma matéria-prima com baixo teor de antraquinona dentro do limite aceitável pela União Europeia, ao se comparar com os processos tradicionais de secagem. Parte dos resultados foram publicados no artigo Effects of different drying methods on the chemical, nutritional and colour of yerba mate leaves (Efeitos de diferentes métodos de secagem sobre a química, nutrientes e a cor das folhas da erva-mate) no International Journal of Food Engineering.
O processo tradicional de secagem da erva-mate é histórico e culturalmente importante no Brasil, além de eficiente, principalmente na manutenção da coloração verde e sabor das folhas, atributo valorizado pelos consumidores de chimarrão e tereré. Essa característica é mantida em decorrência do sapeco, etapa na qual as folhas entram em contato direto com o fogo e fumaça, inativando as enzimas que causam o escurecimento da matéria-prima. Na sequência, as folhas são direcionadas ao secador rotativo, no qual entram em contato com a fumaça; ou para o secador de esteira, isento de fumaça.
Principalmente o processo tradicional (sapeco + secador rotativo) traz também desvantagens, que podem se tornar inseguras para o consumo, ao apresentar potencial para gerar compostos prejudiciais à saúde que estão associados a diversas doenças. “Um dos problemas desses processos é a fumaça que, apesar de favorecer um aroma e sabor característicos, quando em contato com as folhas, contribuiu para o acréscimo de compostos tóxicos, como a antraquinona (ATQ), analisada na pesquisa”, explica Tomasi.
“Essas constatações fazem com que muitos segmentos da cadeia de erva-mate busquem estratégias alternativas de secagem e melhorias nos processos a fim de obter produtos mais seguros e que também mantenham níveis mais elevados de compostos bioativos”, declara o pesquisador da Embrapa Ivar Wendling, um dos responsáveis por orientar a pesquisa.
O cientista explica que, baseado nos estudos, o processo de micro-ondas é um método de secagem interessante, uma vez que mantém os compostos bioativos, capacidade antioxidante, características nutricionais e cor das folhas. “Em termos de alimentos mais seguros, o micro-ondas tem o potencial de manter baixos os níveis de antraquinona nas folhas. Os processos em secadores e liofilizador também apresentaram reduzido teor de antraquinona, entretanto, não tiveram resultados interessantes de coloração, teor de ácidos cafeoilquínicos e capacidade antioxidante. Por isso, não foram enfatizados os resultados desses processos”, relata.
“Os dados sobre a secagem tradicional e o micro-ondas ficaram reunidos em um grupo, o que significa que possuem valores parecidos. Esse grupo único apresentou alta taxa de ácidos cafeoilquínicos, compostos fenólicos totais e alta capacidade de radicais antioxidantes, características ideais para consumo, pois contém mais propriedades benéficas que as outras secagens”, aponta Cristiane Helm, pesquisadora da Embrapa e co-autora do artigo.
Ao todo, no estudo foram avaliados sete tratamentos: micro-ondas, liofilizador, secadores a 40°, 60° e 80° C e os dois processos tradicionais (sapeco rotativo e esteira). A pesquisa buscou avaliar a manutenção do teor dos principais compostos bioativos (cafeína, teobromina e ácidos monocafeoilquínicos, além dos compostos fenólicos totais e capacidade antioxidante). Foram avaliados também os nutrientes (fibras, proteínas, lipídeos e cinzas), além da coloração e teor de antraquinona.
Na avaliação de nutrientes, os dados ressaltam o potencial da erva-mate como fonte de proteína vegetal. Ao se compararem os processos de secagem, todos mantiveram teores similares de proteínas, em torno de 16%. “De modo geral, esse valor é satisfatório, caracterizando a erva-mate como boa fonte de proteína vegetal, fonte de vários aminoácidos essenciais ao nosso organismo”, declara a pesquisadora.
Os lipídios, que também são macronutrientes essenciais para a dieta humana, variaram de 4% a 6% entre os processos, sendo os menores teores provenientes dos processos tradicionais. As fibras alimentares totais tiveram variação de 48% a 69%, que são fundamentais na dieta para um bom funcionamento do intestino, pois promovem a aceleração da digestão e evitam a prisão de ventre. O micro-ondas resultou no teor semelhante aos tradicionais, tendo maior teor no secador a 60°C.
Nas cinzas (minerais inorgânicos, importantes na composição de um alimento e essenciais ao organismo, como cálcio, magnésio, manganês, ferro, sódio, zinco, fósforo, potássio e enxofre), houve uma média de 6%, apresentando valores similares nos diferentes processos. “A erva-mate, seca em micro-ondas, é fonte de todos os macronutrientes (e micronutrientes, em função dos minerais) na composição nutricional de que precisamos para ter uma dieta balanceada. Por isso, essa secagem favorece as funções da erva-mate como alimento, e não necessariamente como bebida”, defende Helm.
No teste colorimétrico, as folhas secas no micro-ondas apresentaram coloração verde mais clara, ao passo que os processos tradicionais tiveram coloração verde mais escura. Os secadores resultaram em colorações escuras (folhas oxidadas) e o liofilizador proporcionou coloração verde clara. “De modo geral, o micro-ondas apresentou resultado satisfatório, semelhante aos processos tradicionais, porém, resultou em uma matéria-prima com verde mais intenso, preferida pelos consumidores”, ressalta a pesquisadora da Embrapa Rossana Catie Bueno de Godoy, co-autora do estudo.
Compostos bioativos da erva-mate
A extração dos compostos bioativos foi realizada com água quente, que simula a ingestão da bebida. Foram avaliadas as metilxantinas (cafeína e teobromina) e os ácidos cafeoilquínicos, que são considerados os principais compostos bioativos da erva-mate. As metilxantinas são responsáveis pelo caráter estimulante da erva-mate e, no estudo comparativo, apresentaram os menores valores mediante processos tradicionais. “Isso mostra que o micro-ondas é uma alternativa de secagem que favorece a manutenção do teor de cafeína, composto estimulante do sistema nervoso central, primordial para indústria de bebidas energéticas”, aponta Jéssica Tomasi.
“Já os ácidos cafeoilquínicos, relacionados à ação anti-inflamatória e neuroprotetora, apresentaram o maior teor nos processos tradicionais e micro-ondas, sendo o seu teor dez vezes superior nesses três processos, se comparado aos demais”, ressalta Gabriel Goetten de Lima, pesquisador de pós-doutorado da UFPR. Isso, mais uma vez, mostra que o micro-ondas pode ser considerado uma alternativa para a secagem das folhas de erva-mate, já que apresenta alta concentração desses compostos, relevantes para a indústria.
Antioxidante
Os resultados do extrato aquoso utilizado para avaliar a erva-mate moída nos processos tradicionais de secagem e de micro-ondas tiveram o maior teor de compostos fenólicos totais, com média 3,8 vezes superior à média dos demais processos. Os três métodos (secador tradicional rotativo e esteira e micro-ondas) também colaboraram para a maior capacidade antioxidante do extrato, sendo comprovada a correlação positiva entre compostos fenólicos e capacidade antioxidante. “Assim, quanto maior o teor de compostos fenólicos totais, maior a capacidade antioxidante da matéria-prima, ou seja, mais potente será no combate aos radicais livres, para a linha de bebidas, cosméticos ou outros fins. E o micro-ondas mostrou-se uma alternativa eficiente”, afirma Tomasi.
O grupo de pesquisa ressalta que, em breve, será publicada a continuação desse trabalho com foco na análise sensorial do chá-mate quente e gelado, produzido com as folhas processadas nos diferentes métodos de secagem. “Esse estudo é primordial para validar a utilização do micro-ondas como uma alternativa de secagem da matéria-prima por meio da avaliação da aceitação dos consumidores de chá-mate”, declara Tomasi.
Fonte: Embrapa Florestas